Não sou muito bom com as mulheres, o amor não é uma coisa que eu conheça muito bem. Nem sei se essa porra existe mesmo. Por falta de opção, pago por ele ou por coisa bem parecida. E por conta disso, meto-me nas piores bibocas. Bebo vinho vagabundo, em garrafas de plástico. Ouço conversas fiadas sem qualquer fundamento. Mentem para mim, descaradamente. Danço com qualquer fubanga. Choro ouvindo música sertaneja. Arrebento as minhas mãos cheias de calos na cara e nos dentes de qualquer desclassificado, em brigas nas quais me meto nos bares ou nos puteiros desta porra de cidade. Fodo-me. Mas fodo muita gente, em todos os sentidos.
Procurando consolo, já me dei mal. Muito mal. O Tenente segurou algumas paradas por mim, das outras eu me safei sozinho.
Eu comia uma puta ali no centro. Ela se apaixonou por mim, porque o meu pau é gostoso, dizem. Sei foder. “Fodeção e carinho”: meu lema. Isso apaixona as mulheres. Eu pagava a ela cinqüenta reais e ainda a fazia se contorcer feito uma lagartixa no fogo. Eu também urrava de prazer. Era bom para os dois e ela começou a sentir ciúme de mim. É raro fazer com quem uma puta sinta ciúmes da gente; é preciso ser bom na coisa. Eu sou.
Um dia marquei com ela e fui. Era uma casa velha que ficava naquelas ruas antigas do centro; uma ladeira, a casa parecia abandonada. Sem placa ou luz vermelha na fachada. A porta era espelhada e lá de dentro ela via quem chegava, mas da rua não se enxergava para dentro. Toquei a campainha. Ela sempre demorava e eu fiquei parado na frente, esperando, calado.
Naquele dia notei que dois caras vinham subindo a rua. Era uma dupla muito estranha. Um grandão e muito forte, de camiseta regata. Junto com ele, o baixinho com cara de nortista. Cabeça chata, cabelos crespos e ralos. Eu parado na frente do puteiro, esperando a putinha abrir a porta. Ela sempre me abria a porta de cabelo molhado, com um short apertado. Ela era meio carnuda, passando do ponto. Cheiro de xampu é um negócio tão forte para mim que bate na cabeça do meu pau. Fico tesudo com cheiro de xampu. Naquela hora fiquei com medo que ela abrisse a porta na hora em que eles – o fortão e o baixinho – iam passando.
Então eles pararam. O grandão ficou quieto. Um homem daquele tamanho e forte, quando é assim muito quieto, é o maior perigo, porque geralmente é frio. O baixinho me olhou e perguntou
- Isso aqui é um cabaré?
- Não sei – eu respondi.
- O que? Fala aqui no meu ouvido, porque eu sou surdo.
Me aproximei do ouvido esquerdo do baixinho e repeti não-se-i bem alto e devagar.
- Ah, não sabe?
- É, não sei – repeti pela segunda vez, agora mais alto.
- Tá – ele disse.
E foram embora, sem agradecer, subindo a ladeira. Eu fiquei olhando para os dois. Me deu medo deles. A rua era comprida, tinha colégios e prédios e outras casas velhas como aquela. Justo naquela casa onde eu estava parado na frente ele foi perguntar se ali era um cabaré e eu disse não sei para o nortista surdo. Ele perguntou mas sabia que ali era mesmo um cabaré.
Ainda enxerguei os dois dobrando a esquina, não olharam para trás. Peguei o celular e liguei para o Tenente e avisei.
- Tenente, vai acontecer uma coisa aqui. Uns caras estranhos.
- Onde cê tá? – ele perguntou.
- No centro, na frente da casa da puta.
- Quantos são?
- Acho que só os dois que eu vi. Mas um é bem grande e forte. O outro é baixinho, cabeça chata.
- Tão maquinados?
- Acho que não. O grandão tá de bermuda e camiseta sem manga, não tem onde esconder o ferro. No baixinho não deu pra ver.
- Na Vasco Alves? Que número é a casa?
- Na Vasco Alves. Setenta e dois.
- Sessenta e dois?
- Sete dois – desliguei.
Conheci essa puta por acaso.
Abri o tabuleiro. Por mania de perfeição, ponho óculos de sol, rádios, bronzeadores, todos separados por produto. Ela já estava lá, na esquina, encostada na parede da farmácia antiga, que hoje está fechada. Com uma saia curta, de couro. Uma sandália alta, com um band aid no dedo mínimo do pé. Quando eu a vi, noutras vezes, ela também tinha um band aid no dedo mínimo.
Minha unha é quebrada, ela me disse daquela vez, antes de eu perguntar. Na certa tinha vergonha de andar com um band aid no dedo.
- Quanto custa? - fui direto.
- Quanto custa o que, meu filho? - o fato de ela me chamar de “meu filho”, como se eu fosse um guri de quinze anos, me aborreceu. Eu era pouco mais velho do que ela.
- O programa.
- Tu vai ter que vender muita pulseirinha pra pagar...
- Quem sabe a gente troca?
- Troca?
- É. O programa pelas pulseirinhas.
- Ah-ah-ah.
- Estou falando sério.
- Eu também - ela respondeu, irritada, e levantou o dedo do meio pra mim.
- Não tem só pulseirinhas. Tem maquiagem. Tem gloss, você não está precisando de gloss?
- Quanto vale um negocinho desses? - ela chamou o meu gloss de “negocinho” para diminuir o preço.
- Uns quinze reais - aumentei o preço.
- Quinze? Dá no máximo um boquete.
- Era o que eu queria, numa tarde nublada destas.
- Vai te catar – levantou o dedo do meio, de novo. A unha vermelha estava descascada.
Já tive putas de todo tipo, porque já meti dinheiro grosso. Eu não era um camelô fodido. E nada é mais frio e nem desconsola mais do que algumas putas. Não as putas de beira de estrada ou dessas que se viram ali na esquina, pobres coitadas. Mas as refinadas e jovens, endinheiradas e bonitas, das casas de massagem urbanas; acompanhantes de luxo. Elas são frias e o prazer que dão sempre foi um prazer tão passageiro quanto arrependido, por causa do dinheiro que gastei. Não ligam para você. Mesmo que você seja novo e bonito, só perguntam o seu nome se você for rico, se mostrar alguma grana. Fodem e voltam correndo pra pegar um outro trouxa.
É só dinheiro. São como assassinos numa guerra. É preciso matar, eles matam. E pronto. Sem emoção, sem envolvimentos, sem querer saber quem você é ou deixa de ser, desde que sejam pagas. Não me iludo.
Com a putinha pobre naquela casa do centro eu fodia num quarto úmido e escuro, ficava acesa apenas a luz do banheiro. Era uma cama alta e com cheiro de cachorro molhado.
Era uma coisa que parecia amor, principalmente se ela estava com o cabelo molhado e com cheiro de xampu. Ela suspirava baixinho enquanto eu estava com o pau dentro e parecia que tinha vergonha de gozar, mas eu achava a melhor coisa do mundo e dizia eu te amo, meu amor e ela não respondia nada. Apenas sorria e aproveitava a vida antes que ela acabasse, mesmo assim era uma coisa muito boa e Deus estava lá, com Sua mão poderosa sobre a minha cabeça e os meus olhos e o meu coração.
- Que barulho é esse?
- Deve ser o meu tio.
O tio dela era um velho que circulava na casa e que passava por mim como se eu não existisse e ali não fosse um puteiro. Nem era tio coisa nenhuma, mas andava por ali com uma cara respeitável como se estivesse numa igreja rezando o Pai Nosso e a gente ali, fodendo e fodendo.
Eu estava de costas para a porta encostada quando vi no meu celular, no chão ao lado da cama do quarto escuro, uma mensagem do Tenente que dizia já estou contigo. Fiquei mais tranqüilo, mas não deu muito tempo de pensar porque senti duas mãos cascudas e bem fortes de homem me pegando pelas orelhas e me jogando com toda a força contra um cabide de ferro que havia dependurado num canto. Caí, meio zonzo, sentindo o sangue pingando na minha testa e então o baixinho surdo me disse
- Tu não sabia que aqui era um puteiro, né?
Ele enrolou uma coisa de vidro com tampa de aço na mão, acho que um saleiro, e bateu forte com aquilo na minha boca e eu senti vontade de vomitar. A putinha não gritou e nem falou nada, só olhava e se enrolava no lençol fedorento. Contra o reflexo da porta estava o fortão de bermuda, quieto, me olhando.
O fortão mal se virou para ver o que era aquele estrondo atrás dele e o Tenente entrou com uma espingarda de cano serrado e arrebentou ele no meio com um tiro que me deixou ainda mais zonzo. O grandão caiu no chão, misturado com sangue. Atrás do Tenente entraram um negro de jaqueta de couro e um cara forte com a farda da Policia Militar e pegaram o baixinho surdo pelos cabelos.
- Mata ele – eu disse com a língua enrolada por causa do sangue e do inchaço na boca. O negro e o policia fardado seguraram o baixinho no chão com os braços abertos e o Tenente veio com um cabo de vassoura e deu duas porradas fortes com a ponta de madeira na boca do surdo e quando ele abriu a boca o Tenente enfiou o cabo até onde deu e o cara vomitou sangue e comida. Morreu ligeiro, o filho de uma puta. Você já viu um homem morrer, que coisa feia?
- Agora a gente vai conversar nós dois – eu disse para a putinha e ainda sentia o cheiro de xampu no cabelo dela. Medo, ela tinha.
É bom a gente ter alguma coisa parecida com amor na vida. Mas a amizade de um homem é uma coisa tão boa e tão segura e tão bonita que não existe um conforto maior e nem mais importante de se ter quando se precisa olhar para algum lugar e enxergar um amigo, ali, na bucha, apoiando a gente. É quase como se casar e ser feliz.
E foi isso o que eu senti quando olhei para o Tenente no escuro do quarto. Um homem que sempre esteve comigo quando eu precisei tomar cachaça e chorar falando de mulher e escutar as tristezas dele, porque nunca alguém consegue ser totalmente feliz.
(do livro de contos O Romance dos Comuns, inédito em português - já publicado em espanhol, ebook)