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Amichai

 

 

Senti um pouco de mal estar e, mais, uma ponta de humilhação que me esquentou o âmago (“âmago” na minha cabeça, e no meu corpo, é um calorão, uma reação química, ou biológica, eu nem sei qual a diferença) na chegada, ao perceber que o Perez não me recebeu na porta da frente da sua casa. Ele não me recebeu na porta da frente. E eu considero que mereça.  Ele deveria fazer-me entrar e me receber no sofá da sala, como conviria à cerimônia cabível a uma pessoa educada, decente, que recebe uma visita. Entrei pelo portão da frente e fui conduzido, pela moça que me atendeu, por um corredor lateral da casa até o fundo, onde havia o pátio grande e uma piscina de azulejos brancos e meio limosos, antigos, com umas flores e desenhos azuis imitando azulejos portugueses. Talvez eles fossem mesmo portugueses; Belém tem centenas de casarões coloniais do tempo do Ciclo da Borracha. A piscina estava cheia e limpa. O vento suave e até meio frio fazia uns frisos na água.

Fui recebido como se fosse um jardineiro ou pedreiro a ser entrevistado pelo dono da casa, antes de começar a trabalhar para ele. O arigó, o paraíba da obra. Sentei-me numa das duas cadeiras brancas que havia em torno de uma mesinha, perto da piscina e no sol, que naquela hora ainda estava fraco, esperando que a moça fosse chamar o Perez. Ela me disse “o seu Perez já vem”. Por causa do tempo de chuvas; e provavelmente porque ali não morasse gente jovem que goste de piscina, se via que a piscina – mesmo estando limpa - não estava sendo usada. E no entorno tudo era meio antigo. Um passarinho pousado no alto de uma mangueira cantava insistentemente, o que passava longe de ser uma coisa boa de “se escutar com as orelhas”, como dizia o meu tio.

Havia, perto da piscina, outras cadeiras de madeira com algumas ripas quebradas e com as ferragens já enferrujadas, ao invés das habituais cadeiras de plástico ou até feitas de algum material mais moderno e caro. Os ricos novos não compram cadeiras de piscina em supermercado como fazem os pobres que moram em condomínios remediados. E os ricos velhos mantém o que já tinham antes, no auge da riqueza. São conservadores até em conservar cadeiras velhas. Aquela é uma casa de rico velho.

A grama, nos pontos em que ela deveria representar o ajardinamento da piscina, estava crescida. Cheirava a grama (cheiraria a que?). O bonito ali eram as folhas caídas das árvores, espalhadas pelo chão como numa foto daquelas de banco de imagens ou de um cartão de felicitações.

Ainda não era um lugar decadente, mas andava perto disso. A casa antiga e revestida de velhas placas de granito acinzentado – embora ainda seguramente grande e refinada - ajudava naquela impressão de que alguém um dia botaria tudo aquilo abaixo e construiria ali um edifício, desses que há aos montes em Belém; todos bem estreitos, e que balançam com o vento que vem do Guamá. Todo mundo diz que em Belém há edifícios “finos demais”, estreitos e frágeis, insinuando que aquelas merdas podem desabar a qualquer momento.

Perez chegou vestindo uma calça de moleton cinza e um robe bordô por cima dela. Calçava (e arrastava) uns chinelos ridículos que muito bem poderiam ser de mulher, feitos de veludo ou de um material parecido, com uma borda de pelos sintéticos no peito do pé.

Atrás dele vinha a mesma moça que me atendeu. Ela carregava, sem bandeja, uma garrafa transparente de um licor amarelo-queimado (“brandy espanhol”, eu soube depois, Perez me disse) e dois copinhos minúsculos de cristal. Faltavam-lhe mãos para carregar os copinhos e a garrafa, mas Perez não fez qualquer menção de ajudá-la na tarefa. Eu, que já estava humilhado naquela condição de alguém que fora recebido pela porta dos fundos, também não me mexi para auxiliá-la. Ela era a empregada dele, e não eu.


Perez vinha com aquele seu esgar habitual no rosto; com os dentes arreganhados, à mostra, mas com a boca enrugada, de canto; de modo que não se soubesse se aquela merda era um sorriso ou um lamento de dor ou de descontentamento por interromper o que quer que ele estivesse fazendo quando eu cheguei. A voz dele era sempre baixa e vinha das profundezas do seu pulmão, ou do inferno. Era uma tosse, um riso. Não sei direito.

Estendeu-me uma mão pesada, enrugada e fria. Uma mão de unhas amareladas pela nicotina, como as mãos de um morto. Apertei-lhe a mão. Aliás, a pele das mãos dele era cheia de manchas róseas; as chamadas “flores-de-cemitério”, como dizia um amigo meu que se suicidou.

Segundo esse meu amigo, que morreu ainda jovem; não tinha cinqüenta anos - e que se matou porque provavelmente abominasse a simples idéia de ter aquilo nas mãos um dia - quando o sujeito tivesse “flores-de-cemitério” na pele já podia comprar a sua “gaveta” num cemitério.

“Perez” era um prenome, embora todos pensassem tratar-se de um sobrenome e por isso sempre lhe perguntavam pelo seu “primeiro nome”. Ele ria com a boca fechada e pelo nariz, quando acontecia. Odiava a “ignorância dos índios”, como se referia de forma um tanto racista ou superior às pessoas mais simples, principalmente nesta Região onde a Amazônia compôs a descendência indígena como sendo uma boa parte da sua população. Parecia contraditória a existência de um judeu racista. Mas ele demonstrava sê-lo. Seu sobrenome era Amichai. Perez Amichai. Orgulhava-se da sua origem judaica e nos anos em que convivi com ele não esqueci que o seu sobrenome Amichai significava “meu povo está vivo”, em hebraico. Ele repetiu-me esse significado várias vezes.

O Norte abriga a maior parte dos descendentes de judeus do Brasil. O primeiro cemitério deles em terras brasileiras foi inaugurado aqui. Fugindo da Inquisição, judeus espanhóis (os sefarditas) migraram para a Amazônia desejando fazer grana e querendo liberdade de culto, isso ainda antes da borracha. E como eram, na sua maior parte, homens, acabaram se misturando com as índias ou outras mulheres locais. Mas só é considerado judeu legítimo aquele que tem a mãe judia (“aquele que nasce de um ventre judeu”) e que pratica a religião deles. Perez era um judeu legítimo.

Sem dizer uma única palavra, Perez colocou um dos dois copinhos de cristal na minha frente e o outro na frente de si próprio, entornando com calma a bebida amarelada e enchendo até pouco mais da metade cada um deles. Fiquei olhando o sol atravessar os copos e me encantei com a beleza do quadro, esquecendo-me até do que eu fui fazer ali e da indigestão que aquele velho normalmente me provocava.

O sol ficou mais forte e já cobria tudo. Perez usava um anel grande com uma pedra vermelha; provavelmente um rubi, na mão esquerda. Um anel retorcido e meio macabro, imitando cordas grossas de ouro branco ou de prata pura, como um daqueles usados pelos feiticeiros, ou piratas, dos filmes. A pedra vermelha e o brandy amarelo nos copos, atravessados pelo sol, pareciam duas raridades roubadas da caverna de Ali Babá e os Quarenta Ladrões.

Perez tinha duas cicatrizes perpendiculares na traquéia, ou no pescoço. Diziam, maldosamente, que ele as tinha porque havia sido engolidor de espadas num circo. Ele nunca desmentiu isso; o que podia ser verdade ou apenas uma cortina para criar mistério em torno de si mesmo. Todo mundo gosta de fazer um pouco de mistério, em torno de si mesmo. Isso é insegurança. É como escrever palavras em romeno, ou em búlgaro, ou em turco, cheias de consoantes e de tremas. Ninguém as entende, mas parece que aquelas palavras encerram, por si sós, mistérios cinzentos e antigos.

Bebemos, sem brindar.

Por causa da lembrança do brinde, ou da ausência dele, eu lembrei-me imediatamente de Marília e do seu cabelo incrivelmente loiro, quase branco. Sobretudo quando estava amarrado num pequeno rabo-de-cavalo, ainda que fosse curto. Dos seus olhos azuis e dos seus lábios grossos para alguém tão loura. Sua pele branca e lisa como um bombom Ouro Branco. Uma vez vi uma foto de Marília, ainda criança, num perfil seu feito para o jornal e me espantei e enterneci com o que vi. Os olhos dela eram perplexos e incrivelmente puros. Os olhos de todas as crianças são puros. Mas os dela - não apenas por serem azuis, como um estereótipo estrangeiro – naquela foto de criança eram expressivos da sua absurda inocência.

Marilia que não bebia nem água mineral sem fazer um brinde, ao que quer que fosse, mesmo sem um motivo. Fazia questão do brinde. Eu, da minha parte, nas poucas vezes em que bebia em companhia dela, tinha todas as razões do mundo para erguer e chocar o meu copo (às vezes de vidro vagabundo, de embalagem de massa de tomate) contra o dela.

Aguardava, ansioso, pelas palavras que ela punha todas as semanas na sua coluna do jornal em Ananindeua. Suas palavras, embora devoradas com os olhos, eram percebidas e sentidas por mim como se estivessem caindo direta e lentamente sobre as minhas papilas gustativas, tamanho era o prazer que me causavam. Demorava a me chegar aquele texto. E sempre valia a pena esperar, porque eu o lia e relia com o entusiasmo da primeira vez.

Das palavras que saíam dela eu retirava, para meu próprio consumo, coisas belas, ou ácidas, ou que eu simplesmente julgava importantes. Não sei se aquilo lhe saía de chofre, num ímpeto, ou se ela ia construindo tudo com dedicação e esmero, minuto a minuto, refletindo e reescrevendo. O fato é que eu, lendo, tinha a certeza de que as aproveitava bastante, como se elas me nutrissem o corpo. Era como se Marília elaborasse a jóia e eu lhes desse o acabamento final, polindo-as, com os meus olhos ávidos e não destituídos de paixão.

Perez teve a descortesia, como sempre, de tirar-me daquele idílio em poucos segundos. E fez isso usando um assunto espinhoso. Embora eu reconheça que ele estivesse tentando, com aquele assunto, me igualar a ele; tentando uma aproximação, um ponto em comum. Não era sem um interesse próprio dele que aquilo ocorria. Eu não seria burro de pensar que ele queria apenas me agradar. Mas, do seu jeito, isso representava uma transigência.

- Sabe que nós, os judeus, somos perseguidos há séculos? Não estou falando desse drama todo que os americanos, no cinema, fizeram com o Holocausto. Esse foi apenas o mais recente; talvez o maior, dos nossos dramas, mas não o único. E além do mais, os grandes estúdios de cinema são todos comandados por judeus. Então essa é uma visão unilateral e paternalista, dos meus patrícios.

Riu.

Eu não olhava para ele, prestava atenção a uma fileira de formigas pretas que carregavam folhas e pedacinhos de outras coisas e de outros insetos, pelo chão. Uma delas carregava, com bastante esforço, um toquinho de madeira. Parecia um desses fragmentos de árvores, só que em miniatura.

Nas minhas brincadeiras de infância, as formigas pretas eram as boazinhas, porque não picavam (dizíamos que elas “mordiam”) a gente. Na verdade picavam, mas não doía, acho que elas não tinham um veneno forte como as vermelhas que eram do mesmo tamanho delas ou que as temidas saúvas, maiores que as duas e que matavam a ambas.

As bem pequenas, minúsculas, que construíam grandes formigueiros, também tinham uma picada terrível.

 

Com essas, antes que elas nos picassem, realizávamos uma espécie de vingança prévia. Movidos pelos filmes de guerra, onde víamos os aviões americanos despejando o devastador napalm sobre as aldeias do Vietnã, queimávamos um tubo plástico de água sanitária, cuja matéria derretida íamos despejando sobre o formigueiro das pequenas vermelhas, para nós as vietnamitas.

 

Esse “ódio” pelos vietnamitas, claro, vinha do cinema, insuflado pelos americanos que perderam a Guerra do Vietnã. Seria, hoje, o equivalente ao vilanismo que eles atribuem aos árabes.

 

Mas nós éramos crianças, e quem tinha a razão na vida real não importava, o que importava era o vencedor nos filmes.

O efeito visual dessa crueldade contra os insetos era bonito, pois o plástico queimado ficava com uma chama azulada e ia fazendo um ruído crepitante de lava vulcânica derramada sobre as atônitas formigas. Aquilo destruía o formigueiro, matava “o inimigo” e ao mesmo tempo petrificava algumas, já que o plástico, ao esfriar, endurecia.

Essas formigas pretas que agora estão enfileiradas no chão do pátio de Perez eram as boas.

 

Como elas, na minha infância, não se defendiam, e sequer brigavam com as vermelhas de mesmo tamanho, nós atiçávamos umas contra as outras, ajudando às pretas.

 

Bastava pegar uma das vermelhas “pelo pescoço”, a fim de que não nos mordesse, e, tendo ela imobilizada, abrir as pinças das pretas sobre o “pescoço” das vermelhas. Do resto, o instinto do inseto se encarregava, pois obviamente a formiga preta fechava suas pinças e “mordia” o pescoço da outra, quase sempre decepando a cabeça da formiga vermelha, a bandida.

Eu era capaz de ficar por horas fazendo isso. Tinha alguns amigos, mas, de um modo geral, eu era um menino solitário. E interferir na vida e na paz das formigas era um dos meus passatempos contemplativos.

Perez notou o meu interesse pelas formigas.

- Faz tempo que eu tento eliminar elas daqui. Acabam com a minha grama. Você sabe se tem alguma coisa que seja bom para matar esse tipo de formigas?

- Napalm - eu respondi - mas essas são as formigas boas.

- Boas? E onde vou arranjar napalm?

Perez riu, com seu riso-tosse encatarrado. Ele não me parece alguém que tenha brincado com as formigas na infância. E provavelmente achou que quando eu falei napalm eu estivesse falando do explosivo de verdade utilizado pelos americanos no Vietnã e não de um tubo derretido de água sanitária.

- O assunto da minha mãe...Perez. Eu queria resolver isso logo.

- Sabe quanto custou enterrar a sua mãe no Líbano como ela e você queriam?

- Nem quero saber.

- Pois é. Você não quer saber, não é? Tossiu.

- Não.

- Pois é. O meu povo, mesmo que você não queira saber, me cobra muito caro por esse tratamento VIP que a sua mãe recebeu da minha parte. Esse tratamento especial que eu dei a ela e que você nem reconhece. E esse “caro” não foi só em dinheiro, muitos dólares. Não. Foi em prestígio, amizades. O “jeitinho” como dizem aqui no Brasil. Só que o “jeitinho” foi dado lá no Oriente Médio. O belo tratamento que eu dei para a sua mãe.

- Para a minha mãe morta.

- O que?

- O seu tratamento foi para a minha mãe morta. Não foi para a minha mãe. Foi para o cadáver dela.

- Dá no mesmo. Em vida, eu paguei o mesmo preço por ela...para conviver com ela, perante os judeus da minha comunidade. Dá no mesmo.

- Não dá no mesmo, não. Porque um judeu filho de uma puta como você...

- Olha a porra do respeito! Cala essa sua boca suja !!! Cala essa boca suja na minha casa !! Quem é você para falar mal dos judeus? Quem? Para me ofender aqui dentro da minha casa? Ofender o meu povo? Você acha que é diferente de mim? Esqueceu, né? Esqueceu do que você é. Você é meu filho. Meu filho. Tem sangue judeu aí nessa ingratidão.

Ele gritou e a voz dele, gritada, era ainda mais cavernosa. Era uma voz que vinha das profundas do Inferno. Ele tinha um hálito de terra úmida, cheia de vermes. Um cheiro igual ao de algum lugar onde havia um filete de água permanentemente pingando e umedecendo tudo, vertendo das pedras e se infiltrando nas frestas. Uma vez vi um cara falando a outro sobre o “caldo do morto”. O caldo que escorre da sepultura quando o morto está se decompondo. Pois o caldo do morto escorria da garganta de Perez, quando ele falava.

- Muito dinheiro para o “jeitinho”, né, Perez Amichai? Fichinha para um representante do tal Mr. Rabinovich.

Ele torceu a boca e olhou direto para as formigas.

Um artigo do jornal americano New York Times, de 1997, amarelado, que encontrei guardado dentro de um livro na antiga casa de Perez, no tempo em que eu convivia com ele (como se fosse o seu capacho), falava sobre o tal Rabinovich.

Esse Rabinovich; que não sei se hoje está morto ou se está vivo, pelo que dizia o jornal, era um milionário judeu ucraniano que passou uma temporada em cana nos Anos 80 por roubo e que tinha ligações com a máfia judaica da Ucrânia. Esse negócio de máfia sempre parece coisa de filme, e geralmente envolve italianos. Mas ela existe de verdade e não são apenas os italianos, os mafiosos.

Perez, no Pará; e desconfio que em todo o Brasil e na América do Sul, apresentou-se mais de uma vez na minha frente, ou por telefone, a outras pessoas, como sendo o “representante de Mr. Rabinovich”.

Não sei se isso era um blefe ou se era verdade, e sequer sei se ele falava sobre o mesmo Rabinovich da noticia do jornal. Mas pelo padrão de vida de Perez, que aparentemente não fazia porra nenhuma na vida, desconfio que fosse verdade. Por minha dedução lógica, Perez era um servo fiel da máfia de judeus da Ucrânia, atuando por aqui. Quem sabe pelo fato de Belém se tratar de um lugar estratégico, na beira desta imensa e sagrada Floresta.

Depois da minha menção ao ucraniano, Perez largou de vez o copo do seu brandy espanhol sefardita e passou a remexer, meio nervoso, no bolso esquerdo da calça de moleton que vestia. E tirou lá de dentro o masbaha que era da minha mãe.

 

Eu reconheceria aquele objeto, mesmo que estivesse no meio de outros iguaizinhos. Aquele masbaha, meio gasto pelo uso, era sagrado para ela, pois com ele ela fazia sempre as suas orações. Perez teve o cuidado de não jogá-lo em cima da mesa, mas de depositá-lo com cuidado, certamente para não ofender-me ainda mais do que eu já lhe parecia ofendido. Ele, cético como sempre foi, certamente enxergava num objeto sagrado como aquele uma bobagem. Depois tirou do dedo o seu anel retorcido de bruxo e pôs ele em cima da mesinha, provavelmente com isso também o entregando a mim.

Do outro bolso ele tirou um papel e uma caneta. Os empurrou na minha direção.

- Anota o banco e a sua conta. O seu CPF e o RG. O Endereço completo. Telefone.

- Pra que o meu endereço?

- Pode botar o verdadeiro, não vou lhe incomodar. É para a escritura. Vamos lhe adiantar uma parte em dinheiro e o resto vai ser escriturado, por doação. Uma escritura feita no cartório. O Efraim vai te ligar no dia em que marcarem a assinatura no cartório.

Anotei no papel os dados que ele me pediu.

Peguei o masbaha da minha mãe, uma honrada mulher árabe, que teve um filho bastardo com um judeu; chamado Perez Amichai. Um filho que foi criado como se fosse um empregado desse judeu. Uma história comum. Levantei-me e fui embora, sem pegar o seu anel retorcido com a pedra vermelha. Ele ficou sentado lá.

 

Nunca mais vi o meu pai.

 

Nem sei se está morto ou vivo, ainda que – se estiver vivo – provavelmente esteja carregando aquele seu hálito úmido da Morte.